Este é o testemunho de uma colega alemã que amavelmente me enviou a sua história. Um comovente relato do caminho percorrido por uma sobrevivente de quadrigémeos para recuperar o sentido da sua vida.
"Agora sim, ao fim de todos estes anos, posso dizer que estou bem. Fiz um grande caminho até aqui, uma caminhada de buscas e de tentativas.
Experimentei muitas terapias, e nunca entendi o que se passava comigo. Não havia ninguém que me explicasse porque eu não aguentava a proximidade, porque não queria nenhuma relação, porque não conseguia lidar com as pessoas, pelo que também não tinha amigos. Não havia quem me pudesse ajudar a pôr todas as minhas facetas sob um denominador comum. A minha grande dificuldade era de me encontrar a mim própria no meio de todas aquelas facetas de mim mesma.
Em pequena pensava muitas vezes que tinha uma irmã gémea. Por vezes até sonhava com ela. Naquela altura imaginava que os meus pais tinham dado uma das gémeas a criar a outra família, ou então se eu teria sido adoptada pelos meus pais, enquanto a minha irmã gémea tinha sido entregue a outras pessoas. Quando cresci compreendi que isso nunca poderia ter acontecido, os meus pais não eram o tipo de pessoas.
Com o passar dos anos deixei de pensar nestas coisas; ia vivendo a minha vida com todas as suas especificidades, as dificuldades e a dor constante. Passei por muitas terapias, li muitos livros de auto-ajuda, procurei respostas espirituais, que nunca me satisfaziam profundamente. Por vezes melhorava, algo se alterava nas dificuldades que sentia, mas nunca me chegava a sentir realmente bem.
Até que encontrei o tema dos gémeos sobreviventes. Nessa altura pôs-se em marcha em mim uma onda que ainda hoje tenho dificuldade em descrever. Finalmente tinha encontrado uma resposta para todos os meus problemas, uma resposta a todas as minhas dúvidas. As emoções que eu, já com 50 anos de idade, senti naquela altura tiveram uma dimensão indescritível.
Nessa altura soube que tinha tido uma irmã no ventre da minha mãe, o que ficou confirmado por cartas que encontrei depois dos meus pais já terem falecido. Aos poucos comecei a integrar a minha irmã, e o seu desaparecimento na minha vida. Não foi fácil. Primeiro veio a tristeza e a raiva, depois a culpa, e depois mais raiva e o desespero; foi uma fase de caos emocional.
Fiz muitos exercícios para integrar todos estas vivências, aconselhados pelos diversos terapeutas, mas havia algo que continuava a não bater certo. Por exemplo no exercício em que temos que pegar numa almofada e senti-la como se fosse o nosso gémeo, eu sentia sempre uma certa irritabilidade. Do mesmo modo, quando me pediam para imaginar a minha irmã gémea perto de mim, para lhe dar a conhecer a minha vida com todos os pormenores, foi-me impossível fazê-lo durante mais do que dois dias, sob risco de entrar numa depressão profunda. Depois de conversas várias, também no fórum da Evelyne Steinemann, chegou um momento em que tomei consciência de que afinal havia lá mais alguém! Passei então a entender que tinha tido duas irmãs comigo no ventre da minha mãe, e logo me senti melhor. O facto de eu não me conseguir decidir quanto ao nome a dar à minha irmã gémea (estava sempre indecisa entre dois) também encaixou perfeitamente. Agora cada uma tinha o seu nome. E pensei que finalmente estava tudo bem.
Mas ao fim de algum tempo voltou a levantar-se um desconforto. Tinha a dúvida se uma das irmãs não seria afinal do sexo masculino. Não sei dizer como me surgiu esta ideia, foi um sentimento que apareceu em mim. Também o facto de eu ter um lado bastante masculino em mim me levaram a pensar se não teria tido um irmão gémeo. Tudo isto não aconteceu de repente, foram cerca de dois anos durante os quais eu fui ouvindo os meus sentimentos e sentindo os sinais.
Durante algum tempo deixei-me ficar nessa "confusão" de não saber se teria tido um irmão e uma irmã gémeas ou não, pois não me sentia bem com a ideia de transformar assim sem mais nem menos uma das irmãs em irmão. Até que numa constelação familiar vi que afinal éramos quadrigémeos. Aí sim, tudo fez sentido. Foi uma sensação maravilhosa, eu com as minhas duas irmãs e o meu irmão gémeo.
Finalmente compreendi porque tenho a estranha mania de contar sempre até quatro: 1-2-3-4, 1-2-3-4. Sempre fiz isto quando não conseguia dormir, ou quando estava sob stress. É uma maneira de me acalmar... estaria a contar-nos a nós quatro!
Com a consciência da existência deles senti-me realmente bem.
Passei a integrar os meus múltiplos na minha vida e era como se eu já não os sentisse à minha volta, era como se eu tivesse passado a representar-nos a todos os quatro. Nessa altura eu dizia muitas vezes: eu sou quatro. Eu tinha quatro profissões em simultâneo, e sentia-me bem exercendo-as a todas, como se estivesse a viver as suas vidas em paralelo com a minha.
Até que um dia me apercebi de que não podia ser assim: eu não sou quatro, eu sou uma só pessoa. EU SOU SIMPLESMENTE EU!!
Isto ainda não foi assim há tanto tempo atrás. Eu estava a ler um livro que dizia que cada pessoa é um ser único e incomparável e que cada um deve viver a sua vida do modo que melhor lhe convier; e que cada ser humano que nasce neste planeta vem ao mundo com uma missão muito própria. Foi aí que se fez um clique em mim. Foi um momento muito bonito em que percebi que Eu sou eu!
Dos meus quadrigémeos herdei qualidades que me caracterizam a mim, e agradeço-lhes muito por isso porque daí me vem a versatilidade. Mas não deixo de ser EU. Eu não estou a representar os meus irmãos gémeos, porque eles estão no outro mundo. Esse é o seu lugar e é lá que eles estão bem. Mas eles só podem ficar em paz quando eu me encontrar na minha vida neste mundo. E só sabendo que EU SOU EU é que eu posso estar realmente a viver a minha vida."
Nana, 52 anos
Ergo-terapeuta, tradutora, vendedora imobiliária, dona de casa.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
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