Depois de encarada a possibilidade de ter tido um irmão gémeo vem um longo e incontornável caminho de re-conexão com o tempo em que se deu a separação no sentido de se reviverem os sentimentos da altura. É quase uma época de “regressão penosa”, que demora sempre demasiado tempo. Parece haver uma enorme inércia em sair desta fase do caminho da cura para entrar numa nova condição. Althea Hayton chama-lhe o buraco negro.
A dor que assola nomeadamente o sobrevivente de gémeos idênticos é uma dor original impressa no mais profundo do seu ser e do seu corpo, na medula dos seus ossos. Mesmo se foram apenas poucas semanas, aqueles momentos antes do desaparecimento do seu irmão (inclusivé numa morte gradual) tiveram inevitavelmente um final inesperado e abrupto: um trauma que conduz a um sentimento de abandono, de falta insondável para o resto da vida. A pessoa sente-se em maior ou menor grau enredada numa teia de tristeza que não consegue explicar. É um sofrimento auto-destrutivo que a dada altura a empurra para a depressão ou mesmo para a morte (com exemplo o psicólogo Eduardo Sá afirma que a grande maioria dos toxicodependentes são gémeos sobreviventes).
A ferida vem do início da sua existência. O seu desgosto é como uma onda que vem do fundo do seu corpo, da sua memória celular, deixando-o impotente perante todo aquele poder destrutivo.
A referência que ele tem da vida antes do trauma, quando tudo estava bem, quase não existe, e além disso: – No início eu não estava só, eu “era mais alguém…" Esta é a sensação que retém e que o persegue, mesmo sem nunca ter sabido que o seu irmão existiu.
Na realidade ele tem uma memória recôndita, ancestral, do que era ser feliz, e estar em paz. A sua dor existe porque existe esta memória de plenitude, e é exactamente esta memória que testemunha a sua capacidade de voltar a sentir-se bem. “Mesmo que o ser humano viva dentro de um forno, nem por isso será pão. Uma situação não altera a essência. A cura na verdade, é o retorno à essência.” (Lauro Trevisan)
O gémeo idêntico foi gerado a partir de um blastocisto que se subdividiu, o que origina um incontestável vínculo espiritual entre os dois.
Mas no entanto ele é hoje um ser humano autónomo de corpo e alma – por definição saudável e perfeita. A vida é possível na totalidade, mesmo sem aquele que no início o sobrevivente considerou ser a “sua outra metade”. Ele estava enganado... sentia como bebé que era... mas o seu irmão, não era a sua “outra metade”!
Althea fala da necessidade de acordar do sonho do ventre para a vida hoje. Só existimos agora, já somos adultos, o passado já não existe. “Seja inteligente: descarregue o seu fardo, pois é inútil e só conduz ao sofrimento. Deite fora o lixo. A desgraça aconteceu, mas já não existe”, afirma ainda Trevisan.
Realmente não se trata de minimizar o sofrimento, mas apenas de compreender que o sofrimento não é a pessoa: aquele foi um episódio da vida. “O lixo” aqui são a angústia, o medo, a resignação, o ressentimento ou outras emoções frias resultantes da morte do querido irmão ou irmã gémea. O sofrimento é provocado por estas emoções que o “destino” causou, e são elas que têm de ser eliminadas, não o amor - não há necessidade de negar o ímpeto interior de recordar alguém que se amou tanto, nem de deixar de trazê-lo no coração.
Quando confundido com a dor da perda, o vínculo de amor que o sobrevivente nutre pela sua saudosa companhia limita, atrofia e destrói a pessoa.
Perdoar-se a si próprio por esta confusão, e perdoar o irmão desaparecido pela sua ausência é antes de mais um passo essencial. Como diz mais uma vez Lauro Trevisan “Além de ser um gesto de boa vontade e tolerância, o perdão é principalmente uma questão de inteligência, pois o acto de não perdoar adoece a pessoa, causa stress, parte a ponte que nos liga ao outro.”
Com a humildade do perdão e uma atitude propositada de anular e esquecer a dor da perda é mais fácil ultrapassar esta estranha fase do buraco negro.
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